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"Naming rights" em Florianópolis: os possíveis impactos da ‘venda de nomes’ para praias, ruas e espaços públicos


O uso de "naming rights" pode comprometer a paisagem urbana, a memória cultural e a identidade local da Ilha?



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Canto Sul da Praia dos Ingleses - Florianópolis - Santa Catarina



A polêmica por trás do Projeto de Lei aprovado:

O recente avanço do "naming rights" em Florianópolis acende um alerta: permitir que praias, ruas, praças e locais tradicionais recebam nomes de empresas significa expor a cidade a um movimento de comercialização que pode fragilizar sua identidade. Mais do que transações econômicas, está em jogo a memória coletiva, a paisagem natural e a forma como moradores e visitantes percebem a cidade. Este artigo investiga os perigos envolvidos e por que a iniciativa — embora apresentada como receita extra para o município — demanda reflexão profunda.


O que a lei de Florianópolis realmente autoriza e o papel do "naming rights":

Com a aprovação do PL 19169/2024, Florianópolis permite que empresas disputem, via licitação, o direito de dar seu nome a diversos espaços públicos: praias, ruas, praças, centros culturais, eventos tradicionais e outros equipamentos urbanos. Isso significa que praias que têm nomes centenários — símbolos da cultura local, da história e da comunidade — podem passar a ostentar nomes corporativos, alterando radicalmente sua forma de ser referidas e percebidas.


Risco de poluição visual e degradação estética da paisagem urbana e natural:

Quando se permite que marcas se sobreponham aos nomes tradicionais de locais públicos, inevitavelmente surge um risco de poluição visual: placas, outdoors, logotipos coloridos e formatos comerciais competindo com a paisagem natural ou arquitetônica. Praias, calçadas, pontes e praças podem passar a carregar símbolos e cores que destoam de sua ambientação original — comprometendo a harmonia visual da cidade e a experiência de moradores e turistas.

Além disso, a presença de marcas privadas pode significar manutenção visual permanente — mesmo em áreas de natureza ou em construções históricas — alterando o vínculo entre ambiente e memória coletiva. A identidade de espaços que evocam história, cultura popular, natureza ou lembranças comunitárias corre o risco de ser diluída em nome de “branding”.


A ameaça à memória, à tradição e à cultura local:

O nome de uma praia ou de uma rua não é apenas um rótulo burocrático: muitas vezes, carrega décadas de história, relatos de gerações, tradições culturais e religiosidade popular. A adoção de naming rights pode apagar ou enfraquecer esses vínculos. Ao trocar nomes simbólicos por marcas, a cidade corre o risco de perder parte de sua alma, sua narrativa coletiva e seu patrimônio imaterial.

Em uma cidade rica como Florianópolis — marcada por praias famosas, tradições locais e forte identificação comunitária com lugares — essa mudança impõe questionamentos profundos: o que se ganha com a troca de nomes por dinheiro? E o que se perde em termos de identidade e memória?


Limitações do argumento de “benefício público” diante dos riscos culturais e sociais:

Embora defensores da lei apontem que os recursos provenientes do naming rights poderiam ser usados em manutenção e obras de infraestrutura, a contrapartida financeira não assegura preservação cultural, nem garante que o uso do espaço público respeite sua história. A “benfeitoria” não substitui a perda simbólica de um nome tradicional — e o benefício para o poder público não elimina o custo social de uma cidade com identidade enfraquecida.

Além disso, a lógica mercadológica pode favorecer empresas com maior capacidade de investimento, priorizando interesses comerciais em detrimento de valores comunitários, culturais ou ambientais. Isso amplia as desigualdades simbólicas e redefine quem “tem voz” no espaço urbano.

Consequências para turismo, comunidade local e valorização imobiliária:

Para o turismo, a mudança de nome de praias e pontos turísticos pode gerar confusão, perda de reconhecimento ou descaracterização do destino. Turismo muitas vezes baseia-se em histórias, nomes tradicionais e na promoção de lugares emblemáticos — mercantilizar esses nomes pode afetar o apelo cultural e turístico de Florianópolis.

Para moradores, a sensação de pertencimento e de vínculo com o lugar pode ser fragilizada. E para o mercado imobiliário, embora possa haver ganhos pontuais com recursos de infraestrutura, há o risco de desvalorização simbólica: imóveis próximos a locais “batizados por marcas” podem perder parte de seu valor patrimonial intangível ligado à história do bairro ou da comunidade.

Perguntas que a sociedade espera serem respondidas:

O "naming rights" pode apagar completamente o nome tradicional de uma praia ou rua?

A renda obtida compensa a perda simbólica de nomes históricos?

Moradores podem opinar ou vetar a nomeação de sua rua, praia ou espaço público?

"Naming rights" em praias pode ferir o patrimônio natural?

Espaços históricos e culturais ficariam mais protegidos?

Em conclusão, embora o "naming rights" prometa recursos, manutenção e modernização, os custos simbólicos, culturais e ambientais devem ser considerados. A aprovação do Projeto de Lei nº 19.169/2024 em Florianópolis alerta para o perigo de transformar história, natureza e memória em mercadoria. Sem uma regulamentação cuidadosa, participativa e sensível à identidade local, a cidade corre o risco de perder sua essência, diluir sua memória coletiva e comprometer sua paisagem natural. É fundamental que os cidadãos reflitam: vale renomear praias, ruas e espaços públicos em nome do lucro, quando o que se perde é parte da alma de Florianópolis?




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Image by João Roger Goes Pereira
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